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Você consegue explicar por que as narrativas de marca são preferencialmente em vídeo?

Antes de qualquer tipo de receio em ler artigos com relação à produção científica, um disclaimer: trabalho num dos maiores grupos de mídia do mundo e lido diariamente com o mercado publicitário em parceria com vendas. Então, mesmo que aqui eu traga as referências de autores acadêmicos, e não dos profissionais de publicidade que contribuem com artigos nos veículos que cobrem a indústria no dia a dia, lembre-se: eu, em essência, também sou um desses publicitários.

O fato é que, como diz um dos teóricos franceses mais próximos do campo da Comunicação, Gilles Lipovetsky, – que, entre as vezes que veio ao Brasil, foi visitar o templo kitschy de marcas de luxo Daslu, – a razão e a ciência perderam espaço no debate em todos os campos da sociedade, inclusive no da Comunicação. Então, sabemos pela experiência que narrativas em vídeo são o formato mais eficiente para narrativas também de marcas. Mas raramente conseguimos explicar por que. E não é tarefa simples.

A visão de Lipovetsky lembra um estudo recente da Inesplorato denominado Geração Fast Food, que trazia uma visão crítica sobre nosso mercado de publicidade, viciado em informações rápidas e, na maior parte das vezes, efêmeras, pasteurizadas e pouco relacionadas com a realidade brasileira. Para auxiliar o trabalho em publicidade, há diversos artigos científicos produzidos e disponibilizados em plataformas acadêmicas, possíveis de serem facilmente encontrados via Google Scholar. Entretanto, a leitura costuma ficar restrita aos que mantêm relação com o universo acadêmico. Não à toa, curadores de conhecimento e empresas que plugam academia ao mercado têm se destacado na indústria de publicidade, como a Ilumeo e a própria Inesplorato.

Voltemos ao vídeo. O teórico norte-americano Douglas Kellner reforça que a ótica do debate em todos os campos de produção se dá pelo espetáculo, e não pela razão. Em publicidade, nos comprometemos com narrativas espetaculares, estimulantes, excitantes e possíveis de atraírem atenção. Isso opera na lógica de quem codifica, ou seja, nós, enquanto comunicadores. E opera assim porque, na lógica do consumidor, entre os quais também nos inserimos, percebemos empiricamente que luz e imagem em movimento nos atraem. Não queremos dizer que produzimos narrativas de branded content ou branded entertainment pelo fato de os consumidores, exaustos em meio a tanta informação, assim como nós, não exercerem mais a esfera racional da mente ao consumir. O branded content amplia a relação racional com marcas e produtos, que hoje destinamos, na maior parte das vezes, à análise de preços, pelas vias do afeto. Ele contribui para ativar o desejo, ampliar o interesse em determinados produtos e serviços. Se o branded content existe para conectar-se afetivamente com o público, e se o afeto conecta-se a formas inconscientes de decisões e preferências, o espetáculo em vídeo tem sido a maneira eficiente de trabalhar esta etapa para um processo de decisão de compras. É isso que fez o vídeo tomar o lugar dos publieditoriais em estratégias de marca.

Proponho uma ressignificação de um simples funil de marketing através das etapas mentais com que as campanhas se apresentavam ao consumidor.

 

Fonte: www.brandedcontentbrasil.com.br


A cognição está atrelada ao aspecto de notabilidade, conhecimento, informacional e, mais literalmente, a decisões cognitivas sobre necessidade de produtos ou serviços. O afeto associa-se à etapa de consideração ou ampliação de interesse por determinadas marcas, etapa em que o branded content tem sido praticado para ampliação da consideração por marcas. A ação é o momento antes da conversão do público em consumidor. E a paixão ou a simples satisfação são os ingredientes da apologia, momento em que o consumidor pode tornar-se fã da marca e contribuir para a sua reputação ao advogar por ela.

A lógica do conteúdo espetacular se atrela ao afeto. É a partir do afeto que formamos vínculos. E o vídeo é a ferramenta mais eficiente para afetar até hoje conhecida. Se uma imagem vale por mais de mil palavras, o que se dirá de uma sequência de imagens? O conjunto de sequências se insere no viés emocional. É o vídeo que nos emociona, por ele falamos e através deles criamos sentido para o mundo em que vivemos. Sem a narrativa em vídeo, o desafio de formar conexões é maior.

 

(Imagem: reprodução)


Vamos pensar no universo de Harry Potter. Discutia com uma turma de alunos se o livro seria o avatar suficiente da narrativa para que se fossem criados parques de diversão, brinquedos ou jogos sobre o mago. A turma, sagazmente, atribuiu a existência de produtos derivados da narrativa à capacidade de distribuição da indústria. Sim, o livro foi muito bem distribuído e é um dos livros mais vendidos e queridos de todos os tempos. Porém, sem os filmes, o vínculo afetivo não só de leitores que já eram fàs mas, também, do público em geral não teria sido ativado ou fortalecido de maneira a sustentar os demais produtos que derivam da franquia Harry Potter.

O porquê de o vídeo apaixonar, afetar e mobilizar tanto não se esgotaria neste artigo. Há contribuições não só do campo da Comunicação como, ainda, da Neurociência, da Sociologia, da Antropologia, da Psicologia e, como médoto, da Ciência de Dados que consolidam a percepção dos teóricos da Comunicação sobre a potência do espetáculo em imagens animadas. E, se estamos falando de afeto, deixo uma dica tratada no curso e no meu livro: nem toda narrativa de branded content precisa ser longa em minutagem para vincular. Finalizo com a campanha de Itaú de fim de ano em 2019, que, em um filme de 1 minuto, apresenta um robô que se comparava ao ser humano de forma afetiva, sendo compartilhado espontaneamente por quem assistia ao vídeo. É uma narrativa de branded content, pois é relevante para o consumidor a ponto de compartilhá-la. Diz muito do que muita gente gostaria de dizer. Mas não fala de produtos bancários diretamente,. Retringe-se a uma possível conexão afetiva com o vídeo e, aposta-se, com o banco.

 

Leonardo Moura

Autor Leonardo Moura

Eu sou Leonardo Moura e trabalho com branded content no mercado publicitário em São Paulo há mais de 10 anos. Sou pesquisador do mestrado em Comunicação na Faculdade Cásper Líbero, instituição em que também leciono na pós-graduação. Atuo como Gerente Sênior de Inteligência de Mercado e Planejamento no Grupo Globo, à frente da unidade de Variedades, responsável por marcas como GNT, Viva e Nhac. Sou ainda autor de Como Escrever na Rede – Manual de Conteúdo para Internet (Ed. Record) e de Branded Content no Brasil (lançamento em breve da Ed. Summus). Em minha carreira, liderei mais de 200 projetos construídos em parceria com mais de 170 anunciantes e agências. Sou ainda psicanalista pelo Centro de Estudos Psicanalíticos de São Paulo.

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